sábado, março 01, 2008

OS SILÊNCIOS

No mundo há muitos silêncios: quando se estuda, dorme, está quieto ou até quando se é surdo. O silêncio de quem ouve Bach ou lê um livro. O da lua agora. O silêncio da morte. O da solidão, do medo, da dor, da raiva, da melancolia. Os silêncios que existem podem ser infinitos, como os extremos de quem está fechado em si e o silêncio do amor. O silêncio de quem quer sentir em si música e poesia.


Danilo Dolci, "Quali diversi silenzi possono existire?", in Chissà se i pesci piangono (Documentazione di un'esperienza educativa), Einaudi, Turim, 1973, pp. 126-128. Cit. por L. M. Lombardi Satriani, Il silenzio, la memoria e lo sguardo, Sellerio Editore, Pelermo, 1979.



São muitos os silêncios que povoam o planeta: o êrmo do páramo, o segredo da longa duração, o mistério da palavra rolando na imaginação, a memória rebuscando o esquecimento, o silêncio da multidão.

São silêncios com os quais convivem uns e outros, indivíduos e coletividades, multidões e solitários. Não são previsíveis. Podem suceder inesperadamente. Irrompem de repente na vida das pessoas, na trama das relações pessoais, paralisando imaginários e sentimentos, sonhos e devaneios, pensamentos e movimentos.

Sim, a própria palavra está em silêncio, antes de transfigurar-se em pensamento ou imaginação, sentimento ou ação, entendimento ou compreensão, utopia ou nostalgia. É como se estivesse erma de forma e movimento, som e sentido. Aguarda, em silêncio, o esclarecimento, a revelação, o deslumbramento.


PROCURA DA POESIA

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários,
os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo,
tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo
ou dor no escuro são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco
e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas
nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem,
rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite,
fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões,
vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva
e concentrada no espaço.

Chega mais perto
e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas
sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade

3 comentários:

Everaldo Ygor disse...

Olá...
Ao ler esse post...
O silêncio...
Abraços
Everaldo Ygor
Visite:
http://outrasandancas.blogspot.com/

Minha Esperança disse...

POEMINHO DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mario Quintana
Igualmente memoravel.

Pâmela Ribeiro disse...

Estava eu fazendo uma pesquisa pela net, quando o google mostrou-me um resultado com um poema de Drummond. Era o seu blog. Mesmo cheia de coisas para estudar, parei para ler.
Simples, inteligente e poético.
Vamos blogar?

Um abraço, Pam.