Assim, engolida emocionadamente a alegria involuntária que a verdadeiramente espantosa coincidência dela também sentir angústia lhe provocara - ele se viu falando com ela na sua própria angústia, e logo com uma moça! Ele que de coração de mulher só recebera o beijo de mãe.
Viu-se conversando com ela, escondendo com secura o maravilhamento de enfim falar sobre coisas que realmente importavam; e logo com uma moça! Conversavam também sobre livros, mal podiam esconder a urgência que tinham de põr em dia tudo em que nunca antes haviam falado. Mesmo assim, jamais certas palavras eram pronunciadas entre ambos. Dessa vez não porque a expressão fosse mais uma armadilha de que os outros dispõem para enganar os moços. Mas por vergonha. Porque nem tudo ele teria coragem de dizer, mesmo que ela, por sentir angústia, fosse pessoa de confiança. Nem em missão ele falaria jamais, embora essa expressão tão perfeita, que ele por assim dizer criara, lhe ardesse na boca, ansiosa por ser dita. (...)
Até que também a palavra angústia foi secando, mostrando como a linguagem falada mentia. (Eles queriam um dia escrever.) A palavra angústia passou a tomar aquele tom que os outros usavam, e passou a ser um motivo de leve hostilidade entre ambos. Quando ele sofria, achava uma gafe ela falar de angústia. "Eu já superei esta palavra", ele sempre superava tudo antes dela, só depois que a moça o alcançava. (...)
Um modo possível de ainda se salvarem seria o que eles nunca chamariam de poesia. Na verdade, o que seria poesia, essa palavra constrangedora? Seria encontrarem-se quando, coincidência, caísse uma chuva repentina sobre a cidade? Ou talvez, enquanto tomavam um refresco, olharem ao mesmo tempo a cara de uma mulher passando na rua? Ou mesmo encontrarem-se por coincidência na velha noite de lua e vento? Mas ambos haviam nascido com a palavra poesia já publicada com o maior despudor nos suplementos de Domingo dos jornais. (...)
Agora e enfim sozinho, estava sem defesa à mercê da mentira pressurosa com que os outros tentavam ensiná-lo a ser um homem. Mas e a mensagem?! A mensagem esfarelada na poeira do vento arrastava para as grades do esgoto. Mamãe, disse ele."
3 comentários:
nossa, q espaço maravilhoso!
adorei a visita, quero fazer com mais frequência!
beijos pra vc!!
Juliana
www.dj-vu.blogspot.com
primorosa e inquietante Clarice Lispector...fantástico esse trecho! estou lendo "A via crucis do corpo".(Contos), dela...
seu blog é um primor!
;)
beijão menina
Obrigada a todos pelos comentários!
Seus Blogs também dizem muito...
Abraços afetuosos e saudações literárias!
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