sábado, julho 01, 2006

Melancolia


O termo melancolia vem do grego melankholia. É formado pela associação das palavras kholê [bílis] e mêlas [escuro]. Melancolia significa literalmente a bílis negra, uma das muitas substâncias constituintes do corpo humano segundo a medicina antiga, mas que em excesso provocaria uma desordem cujo principal sintoma seria o afundamento nos próprios pensamentos e a perda de interesse pelo mundo exterior. Supõe-se que a existência da bílis negra tenha sido deduzida da observação de vômitos de cor escura, mas os textos antigos não dão indícios de uma observação empírica. A bílis escura parece ter um caráter imaterial e uma grande força simbólica. Segundo Aristóteles, uma das principais características dos melancólicos seria a propensão a se deixar levar pela imaginação. A melancolia teria, portanto, um caráter ambíguo na cultura grega: era tanto uma doença perigosa, que podia levar ao suicídio, quanto um estado de fermentação da alma, um instante de calmaria antes da explosão de novas idéias e formas.
Com o passar do tempo, melancolia passou a designar muito mais os sintomas da crise e não suas causas fisiológicas, mas desde Aristóteles até Walter Benjamin (1892-1940) continua sendo o estado afetivo mais freqüentemente associado a escritores, pintores, filósofos e intelectuais.

Somente a partir do Renascimento é retomada a tradição aristotélica segundo a qual o melancólico é também um homem criativo e genial. Essa mudança de perspectiva está representada pela famosa gravura de Dürer intitulada Melancolia I. O temperamento melancólico parece personificado na figura de uma mulher alada, cercada de instrumentos de arte e de ciência, em um momento de solidão noturna, olhando concentrada para um horizonte onde se vê um arco-íris e um cometa. A cena parece indicar que a melancolia pode ser uma experiência de interiorização profunda e fértil, um estado afetivo propício a todo ser que tenha como projeto compreender e modificar o mundo. A obra de Dürer enfatiza as visões superiores, às quais a melancolia pode nos conduzir, mas não oculta o peso e a imobilidade que inflige simultaneamente ao corpo.

A modernidade vai oscilar entre um certo culto à melancolia e às tentativas isoladas de dissociá-la da criatividade. Artistas românticos e expressionistas vão privilegiar o indivíduo sensível à margem da sociedade, através de uma exaltação da solidão, do desespero, da loucura. Influenciados por Immanuel Kant (1724-1804), que via no temperamento melancólico uma marca da sensibilidade do gênio, diversos escritores e pintores, entre eles Goya (1746-1828) e Baudelaire (1821-1867), vão criar suas obras sob o signo de Saturno, o deus/planeta que rege o tempo, a destruição e causa inquietude na alma. Cada vez mais fica fortalecida a crença de que o ser humano é fundamentalmente melancólico, dominado por uma sensação de vazio interior.

Por: Charles Feitosa, Filósofo

Um comentário:

Rafael Britto disse...

legal esse posto sobre a melancolia
muita coisa nova