sábado, outubro 29, 2005

PISO

Piso nos escombros da voz tristonha em espuma murcha de fronha
Piso nos insetos alados presos no teto de gesso aleijados de tanto picar
Piso nos instantes preenchidos pelo vazio de estar a sós no meio do mundo
Piso nos fundos da alegria frouxa que ri de si sem se mijar
Piso
nos ritmos popularescos e irritantes que insistem em não me tocar

Piso nos cartazes das cartomantes falidas trazedouras de amantes

Piso nos buquês das noivas para que nem sirvam aos seus cadáveres
Piso nos dedos mínimos das mãos submissas da humanidade
Piso nos punhados de dinheiro arremessados fora da bacia dos pobres-coitados
Piso nos olhos do voyeur excitado por debaixo da porta de frestas arreganhadas
Piso nos cacos opacos de vidro sem derramar todo o líqüido
Piso nos tapetes limpos da aristrocacia com minha sola desgastada em andanças marginais

Piso nos galhos das árvores feito um macaco à procura de um lugar ameno pra ficar
Piso
nos muitos compromissos desmarcados, nas compridas promessas não cumpridas

Piso nos políticos ludibriadores das massas e nas massas apodrecidas pela ignorãncia
Piso nos óculos dos intelectualóides deselegantemente arrogantes
Piso
nos sexos mal resolvidos, nos sensos bem definidos, nos padres castigados pela castidade

Piso
nos entulhos da fome e nos gargalos da sede

Piso
nos vestígios de morte, sobre os silêncios mal ditos da minha sorte

Piso
nos afazeres domésticos, nos sentidos desapercebidos, nos medos idos

Piso
nos freios dos desejos deprimidos e no acelerador de corações adrenalinos

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