sábado, dezembro 02, 2006

ESTADO CIVIL

Nunca fui prometida em casamento, só me prometeram. Ainda bem que não cumpriram. Qual homem quer comprometer o egoísmo? E quando quer, a mulher nao deixa ou se deixa levar apenas para cumprir uma tradição. Prefiro ser a outra, a amante que nada espera, do que ser a esposa desesperada. Tão melhor ser elogiada por muitos que se prender à palavra de um só. O mesmo me torna oca, prefiro outro tipo de vulgaridade. Como aquele vulgar galanteio de rua, assobio, chulo linguajar. Estes sim acabam por causar maior impacto. Todas que já sofreram esse assédio explícito, entortaram o nariz na hora, mas dentro de si se agradaram até da flor que não se cheire. Simplesmente porque há mais verdade, quando não se há tantos enfeites adornando falsas aparências.

Ontem fui presenteada com rosas vermelhas, mas pelo próprio vendedor de flores. A ironia do destino mais perfeita! Se fosse um buquê de namorado não teria a mesma graça. Por isso fiquei extasiada, dormi com o presente do meu lado sem me entristecer com o murchar daquilo na semana seguinte. Isto porque, melhor que guardar lembrança concreta, é reter o perfume na memória. E o óbvio galanteio pronunciado pela boca do imprevisível possui maior beleza. A efemeridade de uma planta refloresce na poesia dia a dia, enquanto a eternidade no centro das mesas dos doces lares burgueses é de plástico e denuncia na poeira.

Alianças amarelas espantam outras pessoas. O casal tende a ficar alheio, restrito a um convívio a dois, perpetuando um tédio de ouro maciço. Vejam o exemplo da madeira, mais maleável e fria, construidora de portas. Há sempre alguém querendo abrir uma, pois por outro lado há quem a tenha fechado. Há sempre quem espere do lado de fora, mesmo após ter batido, e também quem não esteja lá dentro. Tem sempre alguém ouvindo atrás da porta e um outro preso à espera de mais um que arrombe. Alguns optam por estarem presos por vontade, quando subitamente bastam pontapés para arruinarem com qualquer privacidade. Por essas metáforas da vida real que se é preferível às vezes morar numa casa sem portas.

São justamente esse escancaramento e esse convite subentendido que espantam o homem acostumado ao superficial. Por isso há tantos ladrões de coração, porque não se abrem mais portas, só fabricam. O que se segreda, segrega também. Faz atiçar a curiosidade que matou o gato. Trocando em miúdos, o que andei a discorrer aqui foi acerca de respeito à individualidade e o reconhecimento desta na alteridade. Ninguém é tão arcaico feito peça de museu para se dizer intocável, nem tão moderno a ponto de rasgar a tanga de toda regra. Então, sejamos civilizados!

Paola Fonseca Benevides,
(Estado Civil: SOLTEIRA)

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